sábado, 25 de outubro de 2008

Por partes

A escuridão foi sua única companheira durante um longo tempo que ela nunca saberia dizer exatamente o quanto, no entanto o que ela sabia dizer é que estava ali, presa firmemente a alguma coisa.
As correntes nos pulsos, ambas grossas a mantinham de costas contra a superfície dura e úmida, que ela imaginava ser uma parede de tijolos, suas lembranças estavam divagadas e confusas, tudo que ela sabia é que estava cansada de esmurrar as paredes e gritar por socorro para o nada.
Havia claro ele também.
Raramente, muito raramente uma porta se abria em algum lugar próximo, nem tão próximo para que ela pude-se ver qualquer luz, se é que havia alguma do outro lado, talvez ela estive-se presa eternamente num inferno de escuridão, já não possuía mais sensações ou emoções, recebia comida e água em quantidade quase ínfima.
Quando a porta se abria, ela sabia que alguém viria pelas sombras, caminharia, agarraria seu braço ou sua perna, analisaria bem detalhadamente, como se nunca tive-se visto semelhante coisa e então iria embora, deixando novamente a sós na escuridão.
As vezes, quando sentia a agonia da escuridão ainda maior e impossível de combater, ela desejava mais firmemente que o estranho viesse para observa-la, só pelo prazer de ter companhia, nas primeiras vezes ela tentara dizer alguma coisa, tentara se comunicar, chegara ate mesmo a xingar quem quer que fosse, mas não ouve resposta, como se o outro fosse surdo, ou não se desse ao trabalho de responde-la, pura ignorância.
Ela desistira de tentar contato, ficara muda, se contentava em comer a pouca comida que recebia e passar o resto do tempo que tinha contando os tijolos pequenos do chão através do tato, ou tentando criar sincera coragem para dar uma cabeçada na parede e acabar com aquilo de uma vez, isso quando não ouvia a porta e se alegrava com a companhia do estranho, era sempre assim.
Ate que ele a cortou.
Ela não podia dizer quanto tempo se passou ou coisa parecida, mas ouviu ele chegando e sentiu seu toque característico, dessa vez na perna direita, o tatear de analise que ela aprendera a suportar por habito, geralmente ele levava uns 10 minutos e depois ia embora, mas dessa vez foi diferente, dessa vez ela ouviu um som metálico, um arrastar estranho, seguido de uma dor muito forte em sua perna direita, bem onde começava a coxa.
Sua garganta fez algo que a muito esquecera o que era: gritou, gritou muito alto, enquanto ela agarrava o local atingido de forma desesperada, apenas para constatar mais em pânico ainda que quem quer que a visita-se lhe amputara a perna quase inteira, fora rápido e bem feito, mas doía horrores.
Ela sentiu seu sangue se esvaindo enquanto a dor aumentava cada vez mais no local, subitamente duas mãos fortes a agarrarão, sentiu que estava sendo imobilizada de forma firme, a perda de sangue começou a cobrar seu tributo, mas ela sentiu um curativo sendo feito no local amputado.
Acordou muito tempo depois, quis gritar, mas estava fraca ainda, tentou se erguer e seus braços esbarraram no típico prato de refeição, ela comeu mais vorazmente do que antes, nunca havia sentido tanta fome antes, subitamente sentiu a agonia novamente de ter uma parte amputada, gritou com força e levou a mão ao local apenas para constatar o que mais temia, perdera mesmo um pedaço.
O tempo seguinte que se passou, que poderia ter sido dias, meses ou talvez anos, ela não sabia mais dizer, perdera totalmente a noção do tempo, um dia poderia ser um ano e um ano um segundo, tudo seguia seu curso, só que havia uma diferença forte em sua crença de seu pequeno mundo privado: tinha medo do ranger da porta agora, e nunca mais queria ouvi-lo, enquanto vive-se daquilo.
No entanto, as visitas não cessaram, ela ouvia a porta se abrir e o sentia cada vez mais próximo, tentava recuar, mas mesmo contra sua pro pia vontade ela era estudada como um animal raro pelas mãos firmes, ficava atenta a qualquer som estranho que pude-se vir a ocorrer, principalmente sons metálicos.
As analises, a alimentação tudo se prosseguia da mesma forma que antes, ela temia cada vez mais que a hora de perder um novo pedaço chega-se, se encolhia de medo diante de qualquer som, não queria aquilo de novo se recostou contra a parede olhando para a escuridão, reaprendera a falar e agora sussurrava sozinha, mas apesar de tudo isso, vivia repetindo para si mesma que não estava louca, estava tudo muito bem e em breve ela sairia dali.
Ela terminou sua refeição e se sentou cansada, arrastou o prato para o lado e ficou imóvel, foi quando ouviu o som da porta recostou-se na parede, encolheu e abraçou a única perna que lhe restava, podia ouvir seu pro pio coração batendo descompassada mente na escuridão, as mãos vieram como antes, queriam tocar.
Ela sentiu que era seu braço esquerdo que era observado e tocado, dedos ágeis e firmes, ela ficou imóvel, queria chorar de desespero, mas parecia não se lembrar mais como, então seu braço foi esticado pela corrente e ela entendeu o que aconteceria 5 segundos antes do golpe e de escutar o som nauseante de carne batendo no chão duro.
Não gritou, e dessa vez nem reagiu, ficou imóvel sentindo o sangue escorrer em abundancia enquanto o mutilador sombrio soltava o grilhão da parte amputada e em seguida se ocupava de seu curativo rápido e direto, minutos depois a pessoa foi embora e ela caiu no chão imaginando que seu destino seria um corta e costura permanente e agonizante.
Já não queria mais comer, recusava as refeições que eram deixadas próximas, chutava elas com a perna boa e gritava de fúria, erguendo a mão que lhe restava para o nada e esmurrando com fúria, cuspia palavrões em todas as direções e para, começou a definhar rapidamente, o corpo foi secando.
Ela não bebia água, já não sabia mais dizer o quanto tempo e então as visões começaram, primeiro simples, mas depois ela se via conversando com uma multidão inteira de seus pro pios fantasmas, pessoas de sua vida passada, gente boa, gente má, todos ali observando-a, alguns lhe pediam desculpas, outros lhe exigiam e outros ainda zombavam de sua condição, seu dia a dia começou a ser assim, pelo menos a solidão havia passado.
Ela já não conseguia mais responder, não tinha mais saliva, e começou a pensar que quando viessem lhe cortar de novo, cortariam um cadáver, e aquilo a fazia rir por dentro.
Então o dia da analise veio, mas ela não estava morta ainda, sentia que estava próxima disso, mas não estava ainda, sentiu as mãos tocarem ela só que dessa vez sem um lugar especifico, braço, perna, rosto, estomago, tudo era alisado como se estivessem lhe fazendo carinho, um tipo de pedido desculpas pelas dores e pelo cativeiro ou algo assim.
Ela ouviu o som metálico, mas dessa vez não se desesperou, só imaginou o que lhe seria tirado dessa vez, já não importava mais, nada mais importava, era o fim, sentiu uma pontada profunda e dolorosa no peito, uma agonia intensa e entendeu o que ele queria dessa vez, seu corpo caia para trás imóvel, sangue escorrendo em grandes gotas sobre seu peito perfurado, ela ia morrendo aos poucos e apesar de não poder ver nada como sempre, sabia que o assassino estava erguendo seu coração para observa-lo.
O corpo foi devidamente removido e incinerado, enquanto o assassino se encaminhava com sua nova parte para sua sala de estudos, levava entre os dedos o órgão ainda úmido.
Ele não se considerava um cientista ou assassino sanguinário, pelo contrario, sua especialidade era a construção de criaturas como golens ou zumbis, ele trazia suas vitimas para o seu “laboratório” e as mantinha viva enquanto trabalha nelas lentamente, alimentando, preparando tudo enquanto ia juntando outros pedaços, depois começava a remover o que iria usar daquela pessoa.
Seu ultimo monstro estava quase pronto, faltava bem pouco, agora com o toque final, o coração cheio de rancor e medo da vitima, ele ordenou que alguns golens próximos se afastassem enquanto ele se sentava à mesa e fazia umas anotações antes de introduzir o órgão, depois de ligar dar formas devidas aquela parte, tinha que limpar e arrumar o quarto das vitimas.
Tinha um novo visitante.

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