sábado, 25 de outubro de 2008

Por partes

A escuridão foi sua única companheira durante um longo tempo que ela nunca saberia dizer exatamente o quanto, no entanto o que ela sabia dizer é que estava ali, presa firmemente a alguma coisa.
As correntes nos pulsos, ambas grossas a mantinham de costas contra a superfície dura e úmida, que ela imaginava ser uma parede de tijolos, suas lembranças estavam divagadas e confusas, tudo que ela sabia é que estava cansada de esmurrar as paredes e gritar por socorro para o nada.
Havia claro ele também.
Raramente, muito raramente uma porta se abria em algum lugar próximo, nem tão próximo para que ela pude-se ver qualquer luz, se é que havia alguma do outro lado, talvez ela estive-se presa eternamente num inferno de escuridão, já não possuía mais sensações ou emoções, recebia comida e água em quantidade quase ínfima.
Quando a porta se abria, ela sabia que alguém viria pelas sombras, caminharia, agarraria seu braço ou sua perna, analisaria bem detalhadamente, como se nunca tive-se visto semelhante coisa e então iria embora, deixando novamente a sós na escuridão.
As vezes, quando sentia a agonia da escuridão ainda maior e impossível de combater, ela desejava mais firmemente que o estranho viesse para observa-la, só pelo prazer de ter companhia, nas primeiras vezes ela tentara dizer alguma coisa, tentara se comunicar, chegara ate mesmo a xingar quem quer que fosse, mas não ouve resposta, como se o outro fosse surdo, ou não se desse ao trabalho de responde-la, pura ignorância.
Ela desistira de tentar contato, ficara muda, se contentava em comer a pouca comida que recebia e passar o resto do tempo que tinha contando os tijolos pequenos do chão através do tato, ou tentando criar sincera coragem para dar uma cabeçada na parede e acabar com aquilo de uma vez, isso quando não ouvia a porta e se alegrava com a companhia do estranho, era sempre assim.
Ate que ele a cortou.
Ela não podia dizer quanto tempo se passou ou coisa parecida, mas ouviu ele chegando e sentiu seu toque característico, dessa vez na perna direita, o tatear de analise que ela aprendera a suportar por habito, geralmente ele levava uns 10 minutos e depois ia embora, mas dessa vez foi diferente, dessa vez ela ouviu um som metálico, um arrastar estranho, seguido de uma dor muito forte em sua perna direita, bem onde começava a coxa.
Sua garganta fez algo que a muito esquecera o que era: gritou, gritou muito alto, enquanto ela agarrava o local atingido de forma desesperada, apenas para constatar mais em pânico ainda que quem quer que a visita-se lhe amputara a perna quase inteira, fora rápido e bem feito, mas doía horrores.
Ela sentiu seu sangue se esvaindo enquanto a dor aumentava cada vez mais no local, subitamente duas mãos fortes a agarrarão, sentiu que estava sendo imobilizada de forma firme, a perda de sangue começou a cobrar seu tributo, mas ela sentiu um curativo sendo feito no local amputado.
Acordou muito tempo depois, quis gritar, mas estava fraca ainda, tentou se erguer e seus braços esbarraram no típico prato de refeição, ela comeu mais vorazmente do que antes, nunca havia sentido tanta fome antes, subitamente sentiu a agonia novamente de ter uma parte amputada, gritou com força e levou a mão ao local apenas para constatar o que mais temia, perdera mesmo um pedaço.
O tempo seguinte que se passou, que poderia ter sido dias, meses ou talvez anos, ela não sabia mais dizer, perdera totalmente a noção do tempo, um dia poderia ser um ano e um ano um segundo, tudo seguia seu curso, só que havia uma diferença forte em sua crença de seu pequeno mundo privado: tinha medo do ranger da porta agora, e nunca mais queria ouvi-lo, enquanto vive-se daquilo.
No entanto, as visitas não cessaram, ela ouvia a porta se abrir e o sentia cada vez mais próximo, tentava recuar, mas mesmo contra sua pro pia vontade ela era estudada como um animal raro pelas mãos firmes, ficava atenta a qualquer som estranho que pude-se vir a ocorrer, principalmente sons metálicos.
As analises, a alimentação tudo se prosseguia da mesma forma que antes, ela temia cada vez mais que a hora de perder um novo pedaço chega-se, se encolhia de medo diante de qualquer som, não queria aquilo de novo se recostou contra a parede olhando para a escuridão, reaprendera a falar e agora sussurrava sozinha, mas apesar de tudo isso, vivia repetindo para si mesma que não estava louca, estava tudo muito bem e em breve ela sairia dali.
Ela terminou sua refeição e se sentou cansada, arrastou o prato para o lado e ficou imóvel, foi quando ouviu o som da porta recostou-se na parede, encolheu e abraçou a única perna que lhe restava, podia ouvir seu pro pio coração batendo descompassada mente na escuridão, as mãos vieram como antes, queriam tocar.
Ela sentiu que era seu braço esquerdo que era observado e tocado, dedos ágeis e firmes, ela ficou imóvel, queria chorar de desespero, mas parecia não se lembrar mais como, então seu braço foi esticado pela corrente e ela entendeu o que aconteceria 5 segundos antes do golpe e de escutar o som nauseante de carne batendo no chão duro.
Não gritou, e dessa vez nem reagiu, ficou imóvel sentindo o sangue escorrer em abundancia enquanto o mutilador sombrio soltava o grilhão da parte amputada e em seguida se ocupava de seu curativo rápido e direto, minutos depois a pessoa foi embora e ela caiu no chão imaginando que seu destino seria um corta e costura permanente e agonizante.
Já não queria mais comer, recusava as refeições que eram deixadas próximas, chutava elas com a perna boa e gritava de fúria, erguendo a mão que lhe restava para o nada e esmurrando com fúria, cuspia palavrões em todas as direções e para, começou a definhar rapidamente, o corpo foi secando.
Ela não bebia água, já não sabia mais dizer o quanto tempo e então as visões começaram, primeiro simples, mas depois ela se via conversando com uma multidão inteira de seus pro pios fantasmas, pessoas de sua vida passada, gente boa, gente má, todos ali observando-a, alguns lhe pediam desculpas, outros lhe exigiam e outros ainda zombavam de sua condição, seu dia a dia começou a ser assim, pelo menos a solidão havia passado.
Ela já não conseguia mais responder, não tinha mais saliva, e começou a pensar que quando viessem lhe cortar de novo, cortariam um cadáver, e aquilo a fazia rir por dentro.
Então o dia da analise veio, mas ela não estava morta ainda, sentia que estava próxima disso, mas não estava ainda, sentiu as mãos tocarem ela só que dessa vez sem um lugar especifico, braço, perna, rosto, estomago, tudo era alisado como se estivessem lhe fazendo carinho, um tipo de pedido desculpas pelas dores e pelo cativeiro ou algo assim.
Ela ouviu o som metálico, mas dessa vez não se desesperou, só imaginou o que lhe seria tirado dessa vez, já não importava mais, nada mais importava, era o fim, sentiu uma pontada profunda e dolorosa no peito, uma agonia intensa e entendeu o que ele queria dessa vez, seu corpo caia para trás imóvel, sangue escorrendo em grandes gotas sobre seu peito perfurado, ela ia morrendo aos poucos e apesar de não poder ver nada como sempre, sabia que o assassino estava erguendo seu coração para observa-lo.
O corpo foi devidamente removido e incinerado, enquanto o assassino se encaminhava com sua nova parte para sua sala de estudos, levava entre os dedos o órgão ainda úmido.
Ele não se considerava um cientista ou assassino sanguinário, pelo contrario, sua especialidade era a construção de criaturas como golens ou zumbis, ele trazia suas vitimas para o seu “laboratório” e as mantinha viva enquanto trabalha nelas lentamente, alimentando, preparando tudo enquanto ia juntando outros pedaços, depois começava a remover o que iria usar daquela pessoa.
Seu ultimo monstro estava quase pronto, faltava bem pouco, agora com o toque final, o coração cheio de rancor e medo da vitima, ele ordenou que alguns golens próximos se afastassem enquanto ele se sentava à mesa e fazia umas anotações antes de introduzir o órgão, depois de ligar dar formas devidas aquela parte, tinha que limpar e arrumar o quarto das vitimas.
Tinha um novo visitante.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Familia

Com alguns tipos de coisas não se deve brincar, Matheus estava agora sentado no chão do seu apartamento pensando nisso, a sua frente tinha um velho livro de capa marrom, as paginas já prontas para soltar como se o material fosse se desfazer a qualquer instante, mas isso não significava que não pude-se ser lido, compreendido.
Utilizado.
Matheus assoprou lentamente o ar diante de si, estava frio, bastante frio ali dentro, embora estive-se sol lá fora o apartamento era como uma enorme geladeira, ele riu e uma nuvem branca se formou diante de sua boca.
Tudo começara há 1 mês,exatamente contado, quando ele inadvertidamente passeava com sua filha, como tantas outras vezes, sem imaginar que era a ultima, estavam tomando sorvete em frente a uma loja de brinquedos, ela sorria enquanto degustava o chocolate derretendo, e ele sempre se lembraria do grande sorriso que ela deu quando ele lhe prometeu uma boneca naquele mesmo instante assim que voltassem da casa de um amigo no exato outro lado da rua, e ela nem mesmo esperou, posse veloz logo à frente para atravessar a rua e poder então receber seu presente logo depois.
Um motorista desatento em seu carro muito rápido o impediu de dar a sua filha uma boneca nova.
Isso fazia 1 mês agora, e durante os 30 dias seguintes ele não viveu nada alem de um pesadelo inconstante e irreal, se lembrava vagamente do dia em que ocorrera a fatalidade e menos ainda do velório e do enterro, podia sentir as mãos e o consolo, podia sentir todos a sua volta, mas não podia velos, eram como vozes a distancia, a uma grande distancia.
A esposa já se fora, vitima de uma doença, estava só novamente, acuado como um animal em sua pro pia mente, mas nesses 30 dias de reclusão em que ele nem mesmo trabalhou, ainda sim não ficou totalmente parado.
Entrou em contato com o sobrenatural.
O oculto o cercava agora, se porá a pesquisar freneticamente nesse tempo, na internet e em livros ate que conseguira acesso a velhos tomos e manuais antigos, sua principal meta naquilo tudo era única, descobrir se sua filha ficaria bem e se poderia esperá-lo, pensava em suicídio, pensava em uma família feliz no outro mundo, mas queria ter certeza de que não daria nada errado, queria ver a luz no fim do túnel.
Nunca imaginou que ouve-se tanto material para pesquisar, tanto para se descobrir e aprender, não confiava muito nas palavras de vida eterna da bíblia, não queria palavras para durar para sempre, queria certezas, ate que um dia, na leitura de um livro, ele esbarrou em algo que não esperava.
Havia descoberto como transformar carne morta em viva.
Não achava que aquilo fosse possível para se fazer, era uma coisa de certa forma abominável, mas ele se pegou pensando que não podia viver sozinho do jeito que estava, precisava tentar, queria tentar, e começou a estudar os métodos que o velho manual descrevia.
Segundo o que havia apreendido no curto tempo de aprendizado, era necessário de 2 receptáculos para as almas que seriam trazidas para o mundo da luz, como o manual dizia, lá também dizia que as almas não seriam totalmente trazidas, se o ritual não fosse feito da forma correta, as almas poderiam ficar presas entre os mundos, eternamente ou ate ser revertido.
Ele não demorou a conseguir os materiais necessários, no entanto havia algumas coisas na lista que forma difíceis de conseguir, vitimas para morrerem, precisava de algumas pessoas para serem utilizada para que fosse possível á elas voltarem, ninguém sentiu falta do faxineiro do turno da tarde, e ele negava veemente ter visto o homem no dia em que ele sumiu enquanto limpava dois andares acima do seu.
O casal de velhinhos do lado também já tinham passado do prazo de validade, era por uma boa causa, e ele fez os 3 receptáculos que molhou com o sangue ainda vivo das 3 vitimas enquanto pronunciava os ritos e encantos certos, sim 3 vitimas, por que o mundo jamais entenderia seus atos, compreenderia sua dor, então com a ajuda do velho tomo, seu plano teria algumas partes a mais.
Todas as partes do ritual para as almas de sua família já haviam sido feitos, ele fez algumas outras coisas com as passagens certas do livro, e agora bastava esperar, enquanto ele estava de joelhos de frente para os potes das almas, já havia invocado elas, o frio era a prova disso, o frio seria uma conseqüência segundo o livro, ele esperou, ate que sentiu.
As mãos frias das almas tocaram seus ombros, uma de cada lado e as vozes espectrais invadiram o apartamento, estavam vivas, mas estava mortas, ele podia sentir isso, poderia ficar com aquelas almas ali com ele para sempre, mas tinha que fazer algo mais, era necessário para que a felicidade fosse completa como antes, ele não vacilou nenhum momento enquanto pronunciava as velhas formulas, nem mesmo quando as lagrimas já banhavam seu rosto misturadas ao suor do nervosismo, em nenhum momento ele parou enquanto enfiava a faca no pro pio coração num golpe único e profundo.
Seu corpo tombou para frente numa poça de sangue, estava concluído.
Algum tempo depois o apartamento teve que ser arrombado para saber que fim levara Matheus, não acharam nenhum rastro do homem, encontraram os corpos das 3 pessoas no banheiro, em pedaços, junto a eles 3 potes misteriosos, lacrados de forma firme, ninguém conseguiu abrir por mais que tentassem e eles viraram evidencias de um crime que ninguém conseguiu resolver, já que jamais acharam Matheus, nenhuma pista nem nada.
Os 3 objetos foram parar nas gavetas de provas, para sempre guardados a espera de um uso, mas que os colocou lá jamais poderia imaginar que dentro havia 3 almas vivendo, para sempre juntas e felizes como uma família, como antes.
E dessa vez eternamente.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Traga-me para a vida

Passos leve na nevoa, o som oco do pisotear das pedras, totalmente imperceptível, contrastando com o ar sombrio da estrada enevoada, num dia qualquer em uma época impossível de lembrar.
O homem sentado à sela do cavalo, portando sua armadura que em algum evento passado poderia ter sido prateada e dotada de uma beleza incomparável, mas que agora somente era cinza, mortiço e frio como o clima e o coração do cavaleiro. Ate mesmo sua montaria era deprimente de se encarar, ambos, homem e animal tinham um aspecto por fora que indicava seu espírito por dentro.
A espada, que por anos a fio fora a fortaleza dura contra o mal, jazia guardada em sua bainha de couro, seu brilho glorioso já á muito se apagara, a muito ela não se usara para representar o bem contra atos vis, o braço que deveria sustentar seu peso, perdera sua fé no bem, perdera tudo que lhe bastava para empunhá-la.
E essa era figura que cavalgava a passos lerdos em meio à neblina da estrada, o animal algumas vezes bufava inquieto, o homem estendia sua mão e a passava de leve no pescoço do companheiro tentando acalma-lo, mas seu toque apenas inquietava o velho eqüino.
Isso o fazia fitar suas próprias mãos, ate mesmo de passar amor ele se encontrava incapaz agora, só lhe restava viajar, espiar sua dor e culpa, por mais que se acha que jamais faria um ato bom novamente, da mesma forma como sua espada jamais cortaria o mal com o mesmo animo e seu escudo também não rebateria as setas e laminas adversárias.
Assim foi seu vagar, ate que chegou a um lugar tão perdido quanto ele, no meio de seus passos, surgiu uma porta grande de ferro, uma porta dupla e com múltiplos detalhes, em outras eras poderia ter sido bonita, mas o tempo lhe pesava de forma visível.
O cavaleiro entendeu que ali poderia haver algo para ele, fitou a entrada como se ela fosse se abrir e lhe expor seus segredos, havia um muro grande para o qual o portão servia de entrada, podia ver arvores do outro lado, arvores grandes e floridas, mas de um aspecto frio, tudo cinza, como a visão e os sentimentos do peregrino.
Ele desceu de sua montaria e se aproximou, tocou na tranca que se encontrava sem cadeado, não havia nada que o impedi-se de empurrar e penetrar no jardim do outro lado, seu instinto como antigo herói de andanças lhe dizia que aquilo nem sempre era o certo, muitos de seus companheiros já haviam sucumbido a armadilhas semelhantes, arquitetadas pelas mais cruéis e vastas mentes malignas, forças além da capacidade de amar, no entanto ele ainda sim abriu o portão.
Como ele sabia que aconteceria, a passagem se abriu para ele, a porta de metal rangeu de uma forma triste e se abriu, deixando uma fresta o suficiente para que ele penetra-se nos domínios, nem mesmo sacou de sua espada que já não desejava mais empunhar, entrou e caminhou pela grama, observando os detalhes mínimos.
O cavaleiro não desejava decorar ou aprender sobre as coisas dali, por que ele sabia que já as conhecia, já havia visto aquelas arvores, conhecia perfeitamente os frutos que davam e o gosto que tinham, sabia de tudo isso, assim como sabia que haveria uma pequena e bem cuidada trilha de pedras logo após a entrada, uma trilha que ele seguiu devagar, pisando parte por parte como se não caminha-se, mas como se aprecia-se.
Ele também sabia com perfeição, que seus passos o conduziriam a uma fonte, que talvez fosse decorativa a tempos atrás, mas era fria, sua água estava estagnada, e pequenas plantas cresciam em seu interior, aquilo tocou o coração do cavaleiro que se sentiu levemente triste pelo descaso, arrancou algumas de forma cuidadosa, mas não a limpou totalmente por que dentro de si, mais fundo ainda, ele também sabia que não era ali que ele queria parar de redescobrir.
Cruzou o jardim todo, o som de sua armadura rangendo, parecia deslocado dentro do local, ele sentiu que aquilo não fora feito para coisas que lembrassem batalhas, apenas para coisas doces, manhas e tardes lindas sentado sobre as arvores, acompanhado da pessoa amada, rindo, conversando, cantando, então noites poéticas admirando as estrelas, que tornavam as arvores uma visão ainda mais linda, cobrindo-as com seu manto negro e pontilhado de brilhantes.
Parou a porta do castelo no fim do jardim, dessa vez a passagem não se encontrava fechada para ele nem ninguém, as portas duplas estavam abertas, aquilo o deixou apreensivo, havia algo lindo e inocente, doce e puro ali dentro, simplesmente perfeito demais para ficar sem qualquer proteção.
Passou pela porta e teve o cuidado de fecha-la, para se deparar com o salão do castelo, como tudo antes naquele local, parecia inspirar grandeza e felicidade, mas agora parecia que um véu cinza de dor, lembranças amargas e principalmente uma solidão inexplicável, se abatera totalmente ali.
O cavaleiro entendeu então que aquele lugar estava assim, por que há muito tempo, algo que era muito importante para que a felicidade se mantive-se sempre presente ali, havia partido, deixado para trás a pureza daquele santuário, por algum motivo adverso e desconhecido.
Ele caminhou pelos cômodos do lugar, todos há muito aparentando um abandono triste, o cavaleiro sentia que a solidão e tristeza daquele lugar estava se impregnando nele, grudando em sua armadura, em suas armas, em sua alma, pequenos fragmentos de lamentos e choros, corridas desesperadas ao portão, esperando uma volta que parecia fadada a jamais ocorrer, uma eterna espera dolorida.
Na imensa cozinha do local, o cavaleiro andante soube onde matar sua sede bebeu um pouco de água, mas simplesmente por beber, não era aquele ato que lhe inquietava a alma, ele sabia o que era, sabia que toda a água do mundo não mudaria o que sentia por dentro que era o único e irreversível desejo de tentar entender como ajudar aquele lugar, como transformar os gemidos em risos e as lagrimas em beijos.
E como ele sempre soubera desde o inicio de tudo, o cavaleiro também tinha conhecimento de que a resposta para tudo aquilo acabar e algo novo recomeçar estava em um só lugar, no quarto do andar de cima, um quarto em que algo jazia esperando.
Sim era ali que ele deveria penetrar, o cavaleiro deixou a cozinha, pela primeira vez reparava que seus passos faziam um eco triste no chão de pedra, um som metálico que não combinava com nada ali, por que tudo ali fora feito para amor, então o cavaleiro se despojou de sua armadura, deixou-a no chão do salão principal, a espada e o escudo com um símbolo de um leão dourado, mas que para ele já parecia desbotado e frágil, sem gloria ou beleza, colocou tudo empilhado próxima à porta principal, e em anos ele nunca se sentiu tão leve, não de corpo, mas de alma.
Ele então subiu as escadas, degrau por degrau, passo a passo e ele sentia o coração acelerar e sentia a volta de velhos sentimentos que antes ele parecia desconhecer, que antes não pareciam fazer parte de seu coração endurecido pelo calor das batalhas e forjado com a gloria dos golpes e gritos, era assim que se moldava um soldado, um guerreiro, mas ele sabia que não era assim que se forjava um herói, deveria haver algo mais alem de combates e vitórias, e ele sabia que não era um herói por que o que lhe faltava para isso ele não trouxera consigo, e quando entendeu, abandonou sua vida de embates e partiu por que sentiu que acharia isso longe de tudo aquilo.
Os degraus intermináveis acabaram, agora ele via a porta, onde o maior dos segredos estava escondido, onde a única coisa que devolveria luz ao seu mundo cinza estava, o ingrediente que faltaria para ele ser um herói completo, para sentir que sua honra estava para sempre preservada.
Sabia que não deveria ter deixado seus aparatos para trás, mas também sabia que eles de nada lhe serviriam dentro daquele local, ali não havia perigo, ali não havia dor, ali não havia o mal, havia apenas respostas e então recomeço.
E foi com esses pensamentos, que ele abriu a porta, empurrou simplesmente por que sabia que ela estava destrancada, por que sabia que todas as outras também estariam, por que sabia de tudo sobre aquele lugar que parecia esquecido pelas coisas boas, sabia por que fora assim que ele deixara tudo antes de partir.
Na cama do quarto estava sua lady, seu rosto belo e os longos cabelos negros como a noite caindo pelo ombro, os olhos eram como os leitos de um lago profundo, os lábios vermelhos se abriram num sorriso belo, e o corpo se ergueu, coberto por um fino e frágil vestido branco, ela abriu os braços e veio em seu encontro, como um anjo em um livro, ela caminhou e parecia flutuar.
E o mundo começou a brilhar novamente, o castelo deixou de ser cinza, as arvores ganharam cor, os pássaros começaram a cantar de forma feliz e barulhenta nos jardins e a água estagnada da fonte se tornou cristalina, os corpos se tocaram e o mundo se curou para ambos, seus corações já não tinham mais o peso da dor, da saudade ou da solidão que por muito tempo se abatera e tirara a cor do mundo, tanto na beleza angelical da dama, quanto no gloria guerreiro do soldado.
Por que o cavaleiro voltara para casa.

Tempo Marcado

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A chave girou na fechadura lentamente, lá fora o sol já havia nascido a cerca de meia hora mais ou menos, a porta foi empurrada lentamente e alguns minutos depois, o caçador de monstros entrou.

Trazia sua jaqueta pendurada sobre o ombro e as pistolas carregadas com balas de prata presas ao cinto, duas automáticas gêmeas, o pesadelo de qualquer vampiro, lobisomem ou outra criatura sobrenatural que tive-se o azar de cruzar seu caminho, hoje havia abatido uma gangue inteira de sangue sugas e se sentia de certa forma, realizado espiritualmente.

Por mais que tenta-se, ele nunca conseguia parar de sonhar, noite após noite com o massacre da sua banda e da sua namorada, vitimas de um vampiro faminto, aquilo fora a muito tempo atrás, um passado quase ínfimo, mas ele revivia em sonhos tudo de novo, e não era raro que acorda-se gritando dentro do apartamento fechado, durante a tarde, ele caçava a madrugada inteira e dormia de dia, essa era sua rotina.

Trancou a porta e foi direto para o quarto, estava realmente sem nenhuma força mais, tanto que quando atingiu seu objetivo se limitou a tirar a camisa,soltar o cinto com as pistolas e cair de cara na cama, apagando imediatamente, um sono sem sonhos, dormiu só por dormir.

Acordou sobre saltado, sentiu algo de diferente na atmosfera do local, virou a cabeça para os lados assustado e então percebeu um movimento estranho próximo a cômoda onde ficavam seus documentos, seu corpo se inclinou para frente e rápido como um raio ele já tinha a arma na mão, engatilhada e apontada, o barulho silenciara e ele disse de forma rígida “quem é?”.

“Não atire por favor” foi a resposta que ele escutou, mas algo o surpreendeu naquilo, sua segurança afrouxou, era um voz ínfima, quase inaudível de tão fininha, e parecia vir do chão, bem do chão, por uns instantes ele pensou que era só sua imaginação, mas não confiou totalmente, “apareça estou mandando”.

Então a dona da voz surgiu, saiu debaixo da cômoda lentamente, ele prendeu o ar assustado, nunca havia visto algo daquilo, a arma abaixou quase que instantaneamente e ele se limitou a observar surpreso.

Ali dentro do seu quarto, havia uma pequena mulher, pequena mesmo pois sua estatua não deveria chegar aos 30 centímetros no Maximo, tinha cabelos longos e negros, quase ate a cintura e uma pele extremamente branca, beirando a palidez, trajava um vestido de um negro ainda mais intenso que os cabelos, lembrava uma pequena boneca, o único detalhe que destoava disso eram um par de asas em suas costas, iguais a de uma borboleta, elas possuíam varias cores misturadas e todas eram de tom escuro.

“Quem é você?” ele perguntou, já havia visto e ouvido falar de muitas criaturas de outros planos, mas no momento nenhum lhe vinha a cabeça que bate-se com a descrição daquilo ali, não parecia ameaçadora de certa forma, mas as vampiras conseguiam ser extremamente sensuais antes de chupar sua vida por suas veias.

“Eu sou uma fada” ela respondeu como se isso fosse a coisa mais normal do mundo na hora “não vou te fazer mal, me desculpe, eu vim parar por acidente eu...” ela fez outra pausa e pareceu pensar em algo quando emendou “já vou embora”.

Ela fez menção de se virar, mas ele a parou, disse para que fica-se e se explica-se, o que estava havendo e quais eram sua intenções, no inicio a fada parecia relutante, passou as mãos nos longos cabelos, mas por fim cedeu e lhe contou tudo, ela disse que vivia com outras fadas em um local escondido para as outras espécies, lá elas podiam se dedicar aos mistérios da natureza e trabalhar com o que mais gostavam, poções e formulas de sentimentos.

A fada contou que á muito tempo às fadas trabalhavam em um tipo de formula que explicaria a capacidade dos seres de viverem o mesmo com freqüência e gostar disso, se acostumar, ela defendia a idéia de que essa auto-aceitação partia de pequenos prazeres que os atos proporcionavam, mas não podia ficar só em palavras.

Ela havia abandonado o esconderijo coletivo e adentrado de forma corajosa e imprudente o mundo humano, iria começar a pesquisar parte por parte tudo isso, para depois retornar com as respostas.

O caçador ouviu atentamente sua historia, parte de si mesmo lhe mandava atirar nela, ele acreditava que o mundo era somente de seres humanos, mas por outro lado não conseguia, algo o bloqueava, ele perguntou quanto tempo levaria aquilo e ela respondeu que não poderia demorar, pois quando uma fada vem ao mundo humano, só pode ficar 1 semana no Maximo, se exceder esse tempo, ela morre, a fada comentou que conhecia algumas que haviam conseguido se adaptar e sobreviver no mundo humano, mas eram casos raros e ela mesma não pretendia se demorar mais do que uns 3 dias.

O homem pensou no caso profundamente, quando resolvera começar a matar seres das trevas, fizera aquilo com o sentimento de ajudar unicamente a humanidade, mas sabia que não bastava ser bom apenas com um tipo, deveria ser bom com todos que merecessem.

“Vou ajudar você com sua pesquisa”, ele anunciou e ela sorriu alegre, “vamos fazer algumas coisas que as pessoas gostam de fazer e você vai tirar suas pro pias conclusões, ela deu pequenos saltinhos de alegria e perguntou quando poderiam começar”.

O homem se arrumou e ambos saíram, era de dia e ele saiu pouco equipado, levou a pequena fada consigo no bolso, e ela lá de dentro com sua cabeça de fora observava todos, em sua rotina e suas alegrias, começaram com algo banal, tomaram um sorvete.

A fada adorou.

Disse que nunca havia provado algo daquele tipo e que a partir de agora iria querer comer somente aquilo enquanto estive-se ali, ele sorriu e pagou mais um, comeu 3 casquinhas de flocos antes de ficar enjoada, levou ela para ver um filme de romance e de ação no cinema e quando a noite estava chegando, eles foram a um parque de diversões.

Daquela vez ele não caçou.

E assim foram seguindo os dias, ambos tomavam sorvete juntos, se divertiam no que queriam fazer e nesse meio tempo ele explicava para ela sobre os empregos e as necessidades básicas das pessoas, como tudo funcionava, os sentimentos e reações alheias e ela ouvia tudo com uma atenção exemplar, quase sempre com um pouco de flocos na mão.

Tudo aquilo de certa forma fez bem ao caçador, pela primeira vez ele se sentia bem, se sentia em paz consigo mesmo, sentiu que podia ser feliz de novo de uma forma simples e não mergulhado em sangue e dor como se acostumara.

6 dias se passaram.

O homem já não caçava a tempos e sentia os monstros se multiplicando mais e mais, mas não conseguia tomar nenhuma providencia, sua atenção era toda da fada, para ajuda-la e vê-la sorrir, na noite do 6° dia, ambos estavam de frente para a praia, sentados na areia, ela estava sobre o joelho dobrado, silenciosos os dois, apenas a olhar a imensidão de água, ela se virou para e levitou ate o ombro, passou a mão nos cabelos longos do caçador e disse.

“Seus cabelos são lindos, queria poder leva-los comigo quando me for”.

Ele não respondeu, em nenhum momento lembrara que ela tivera que partir, pos as mãos sobre os joelhos e disse, “falta pouco tempo para você ir não é?” ela concordou com a cabeça pensativa e disse “mas jamais esquecerei tudo que aprendi aqui, nunca mesmo, obrigado por tudo”.

Eles ficaram quietos sobre a noite quando de repente ela explodiu, “droga”, ele se virou surpreso e a viu chorar sem parar, caiu sentada sobre o ombro dele e pos as mãos no rosto chorando, ele ergueu a mão para toca-la quando ela começou a gritar.

“por que eu não poderia ter nascido humana também? Por que tem que ser assim hein? Por que vamos nos separar? Eu não quero ir, eu queria ficar e fazer isso com você”

Ela parou e o observou nos olhos marejados, “fazer isso com você sempre e sempre, por que você e uma pessoa muito especial para mim”, ele não conseguiu disser nada, virou o rosto e olhou novamente para o mar, não queria chorar, não queria mesmo, ate ouviu ela disser.

“Eu te amo, te amo muito”.

Ele virou o rosto para ela surpreso e então a fada pediu, “me beija?”, ele esticou seu pescoço levemente e os lábios de proporções diferentes se tocaram de forma suave por alguns instantes, quando se separaram ela o olhou, suas mãozinhas deslizaram pelo rosto dele e ela disse de forma decidida.

“Eu não vou embora amanha, eu penso que as fadas que ficaram e se adaptaram, não foi por força, foi por que acharam um grande motivo para permanecer em meio aos humanos, eu tenho você, meu grande motivo e meu amor, não vou morrer, sinto isso!”

“Sim talvez você sobreviva” ele disse pensativo “eu te amo também”.

“Então me beije de novo!” ela pediu.

Os lábios se tocaram de novo e dessa vez foi por mais tempo e quando se afastaram ela abraçou o rosto dele e disse sorrindo de forma meiga, “sim, vale a pena correr o risco”.

Alguns dias depois, o caçador entrou em uma pequena casinha num bairro pobre, lá dentro um de seus fornecedores de informações o esperava, ambos conversaram e depois que ele conseguiu o que queria, se preparou para sair quando o homem disse, “sabe você andou estranho, primeiro sumiu por alguns dias, os monstros se multiplicaram na ausência sabe? e agora isso ai é?”.

Ele não respondeu, saiu e se sentou na garupa da moto, mas quando fez isso, seus olhos se encheram de lagrimas e ele chorou sem conseguir se conter, de dor e de tristeza.

Em algum lugar, abaixo de uma arvore, uma trança de cabelo balançava ao vento, como se dança-se uma valsa.